Marcio
Fernandes, CEO da Elektro, lança um livro sobre a filosofia de gestão
baseada em felicidade que implantou na distribuidora de energia -- e que
o transformou em uma espécie de embaixador do tema no mundo corporativo
O desafio de Marcio Fernandes, o CEO da distribuidora de energia Elektro,
não é apenas entregar bons resultados aos acionistas da companhia. É
também colocar em prática uma “filosofia” de gestão com um idealismo
incomum no mundo corporativo. Aos 40 anos, ele dissemina, dentro e fora
da empresa, o conceito de felicidade no trabalho como forma de melhorar a rentabilidade dos negócios.
Há quatro anos, quando assumiu a presidência da Elektro, implementou um
sistema de meritocracia no qual cada funcionário é responsável pelo
próprio treinamento e desempenho e em que o diálogo franco é fortemente
estimulado em todos os níveis hierárquicos.
Neste mês, ele lança o livro
"Felicidade dá Lucro" (Companhia das Letras), no qual descreve
seu estilo e ferramentas de gestão, além de histórias de vida e
reflexões que o levaram a construir o conceito.
Filho de um operário metalúrgico e de uma cabeleireira, Marcio começou a
trabalhar aos 12 anos, como auxiliar de mecânico. Foi empacotador e
vendedor das Lojas Pernambucanas e, com o próprio dinheiro, cursou
Administração de Empresas. Em 2004, ingressou na Elektro, que tem sede
em Campinas, no interior de São Paulo, cidade em que ele nasceu.
Desde então, Fernandes viu a satisfação da equipe crescer de 69% para
99%. Hoje, faz palestras para empresas pelo Brasil para disseminar sua
filosofia (ele evita chamar de “modelo de gestão”). “É um resgate de
valores que adoraria ver se solidificar na sociedade como um todo”,
afirma.
A seguir, ele explica os pilares de sua filosofia e como ela tem impactado os negócios.
O que vem primeiro: a felicidade ou o lucro?
Sempre a felicidade. Tem gente que só tem dinheiro. E tem gente que não
tem dinheiro, mas é feliz. A proposta do meu trabalho é ter felicidade e
lucro. Essa combinação traz equilíbrio para uma pessoa estar bem com
quem é e o que faz.
Então, ela tem uma tranquilidade maior para
conquistar resultados melhores – seja no seu negócio, seja na sua vida
pessoal. Por isso, fazemos uma campanha muito grande para que os
colaboradores consigam encontrar um propósito para seu trabalho. Quando
isso acontece, tentamos convergir o propósito da empresa com o da
pessoa.
Normalmente, a missão, a visão e os valores da companhia estão
escritos na parede, e alguém diz: “Cumpra”. Não há, em geral, intenção
de convergência com os objetivos pessoais de cada um. Por esse caminho,
pode ser que dê certo e pode ser que não. Quando se tem a unidade entre a
missão, a visão e os valores de cada profissional e os da companhia, as
pessoas trabalham de forma mais sólida em direção ao que sonham, se
dedicam com mais profundidade. E a empresa se beneficia, claro, porque o
profissional não estará ali só de corpo presente.
Pode dar um exemplo prático dessa convergência entre os propósitos de alguém e o da empresa?
Há muitos exemplos. Um deles é o de uma pessoa que estudou em uma ótima
faculdade de engenharia, mas tinha o sonho de trabalhar na área de
recursos humanos. Em uma empresa convencional, ela não deveria falar
sobre isso abertamente.
Porque, se o fizesse, seria vista como alguém
insatisfeita com o trabalho e, portanto, como forte candidata a sair da
companhia. Na filosofia de gestão que implantei, ela deve falar sobre
isso. Existe um diálogo franco, aberto, transparente. Todos sabem que a
pessoa tem esse desejo. Incentivamos que ela não só conte, como
documente essa vontade em um plano de desenvolvimento. Assim, ela tem a
possibilidade de se preparar para aquilo. Pode se candidatar para uma
vaga que abrir, com o gestor dela sabendo disso. E a certeza de que não
será prejudicada por essa clareza.
A empresa oferece algum suporte, como treinamento, para as
pessoas se prepararem para mudar de área ou fazer uma transição de
carreira dentro da companhia?
Nós oferecemos a oportunidade de ela trabalhar naquilo que sonha. Mas o
modelo de desenvolvimento, cada um cria o seu. Ele é bancado pela
própria pessoa. A capacitação será um esforço dela. Isso faz com que,
quando chegar onde almeja, ela trabalhe com tanto amor e tanto carinho
que a empresa se beneficie também dos resultados.
Esse modelo faz mais
sentido para nós, já que não precisamos fazer treinamento para todo
mundo para funções que mal sabemos se são necessárias.
Essa mentalidade exige um comportamento empreendedor das
pessoas. Mas nem todo profissional tem esse perfil. Como lidar com os
diferentes tipos de pessoas?
Aqui ninguém precisa ser guiado se não quiser. Há, de fato, aquelas que
querem continuar no modelo tradicional, pessoas que não querem
construir uma carreira astronômica ou que querem ser o mesmo analista
pleno a vida inteira. Nosso único pedido é que todos sejam honestos
conosco.
Se está bom para alguém ficar onde está, pode continuar, sem
problemas. Mas nossa experiência mostra que mais de 90% das pessoas
adoram ser protagonistas da própria vida ou da sociedade. Ao terem a
oportunidade, muitas percebem que isso é legal. E mesmo esses 10% que se
satisfazem com a forma como vivem, sempre têm vontade de algo mais.
Ainda não conheci pessoas que não têm nenhum sonho, quando questionadas
sobre isso em um diálogo franco.
Fala-se muito sobre felicidade no trabalho. A expectativa de
ser feliz se tornou mais uma exigência, até uma pressão, do mundo
corporativo?
É fácil fazer essa interpretação porque quase tudo o que foi feito na
área da administração moderna teve segundas intenções. Por exemplo,
muita gente fala de sustentabilidade como algo legal, mas, em muitos
casos, não pratica o conceito. Fala do tema só com a intenção de gerar
imagem e lucro.
O trabalho que temos feito também tem a intenção de
gerar lucro – mas desde que seja de verdade. Isto é, não podemos ter uma
plataforma que não seja sustentável. Não posso criar um sistema
transitório, que funciona um dia, e no outro não funciona mais. Queremos
criar uma plataforma coerente.
A opção de ser feliz não é da empresa. É
de cada um. Mas o objetivo é que as pessoas estejam inseridas em uma
plataforma coerente, que oferece chances reais para aqueles que se
esforçam de maneira real.
Trabalhamos para criar meios para que as
pessoas sejam felizes. Sabemos que, por meio dessa prosperidade, a
empresa também prospera. Em vez de criar uma máquina e usar para gerar
resultados incríveis, temos que trabalhar no software. Isso significa
que o que os profissionais aceitavam antes, hoje não aceitam mais. É
preciso modernizar a maneira de lidar com as pessoas.
Que mudanças são essas?
Começam pelo básico, que é dar tempo para as pessoas terem vida fora da
empresa. Felicidade não é ser permissivo. Nós não oferecemos
presentinhos, dinheiro fácil, não somos bonzinhos. Somos justos.
As
pessoas têm uma predileção natural por justiça. Quando você trata alguém
com transparência e verdade, a resposta que recebe é compromisso. O que
propomos é uma filosofia bastante vantajosa para todos. Não gosto
quando dizem que a sociedade brasileira tem baixa produtividade. Essa
filosofia de gestão pretende mudar isso. Passamos a vida ouvindo sobre a
revolução industrial. Mas e a revolução das pessoas?
Qual foi o ponto de partida para você desenvolver essas ideias?
As frustrações que tive ao longo da vida. Sempre quis ter um gestor que conversasse abertamente comigo, que se intereressasse genuinamente por mim. Em 2006, quando estava em uma viagem de trabalho comecei a pensar sobre esses conceitos. Quando viajo, tenho uma saudade tão grande da minha família, que fico mais reflexivo e intelectual, pensando sobre a vida com uma profundidade que, no dia a dia, não é comum para mim. A partir dali, comecei a falar sobre o tema com outras pessoas, que foram me ajudando a criar uma prática.
As frustrações que tive ao longo da vida. Sempre quis ter um gestor que conversasse abertamente comigo, que se intereressasse genuinamente por mim. Em 2006, quando estava em uma viagem de trabalho comecei a pensar sobre esses conceitos. Quando viajo, tenho uma saudade tão grande da minha família, que fico mais reflexivo e intelectual, pensando sobre a vida com uma profundidade que, no dia a dia, não é comum para mim. A partir dali, comecei a falar sobre o tema com outras pessoas, que foram me ajudando a criar uma prática.
Estamos tentando fazer todas as
mudanças que sonhávamos. Isso inclui encontrar um gerente e poder
conversar abertamente com ele. Contar com o diretor e com o presidente
da empresa de fato. Estamos tentando mostrar que a diferença entre o
colaboraodr e o CEO da empresa é o tempo que deu a possibilidade de ele
conquistar aquela posição.
Passaram-se nove anos desde que você começou a elaborar essa filosofia. Quanto tempo leva para mudar a mentalidade das pessoas?
Dizem que a cultura de uma empresa demora dez anos para ser mudada. Na
minha opinião, pode até demorar esse período determinado, mas só se for
de algo ruim para algo pior. Para algo melhor, demora o tempo que dura a
dúvida. Isto é, o tempo durante o qual as pessoas pensam: “Onde eu vou
perder?”, “O que ele quer com isso?”.
Em um primeiro momento, a
tendência é desconfiar de que haja um objetivo oculto. Depois que passa
esse momento, as pessoas mergulham de cabeça porque faz sentido.
O que você fez para convencer os acionistas de que uma
filosofia de gestão baseada em equilíbrio e felicidade era algo no qual
se deveriam investir?
Se eu disser para o acionista "vamos transformar essa empresa em um
lugar feliz porque isso é legal", ele não vai se interessar. Mas quando
eu falo que se as pessoas estiverem felizes aqui dentro, serão mais
produtivas e a lucratividade vai aumentar, é outra história. Os
acionistas são o reflexo da sociedade.
Se você aplica seu dinheiro em um
banco, e outro banco oferecer uma rentabilidade melhor, você não vai
querer trocar de banco?
Esse estilo de gestão muda a maneira como a empresa é vista pelos clientes?
O nosso objetivo é que o cliente perceba que a atenção dada a ele ocupa
100% do tempo.
Porque não há mais aqueles momentos chateados, que as
pessoas têm quando não estão felizes com o que fazem.
Você, como alguns outros executivos e empresários, chama as
pessoas que trabalham na empresa de colaboradores (em vez de
funcionários) e trocou o nome de algumas funções. Os comumente chamados
de atendentes de telemarketing são os agentes de relacionamento, por
exemplo. Essa mudança pode ser interpretada como um preconceito com o
significado literal das funções que as pessoas têm? Afinal, o que há de
errado em ser um funcionário ou um atendente de marketing?
A lógica é simples. Quem funciona é máquina. Colaborador pode fazer
algo mais do que funcionar, desde que ele queira. A perda é grande para a
empresa que ainda não acordou para esse modus operandi. Já o
agente de relacionamento também não faz a função exata de um atendente.
Ele se dedica a entender os problemas e a trazer soluções para o cliente
e trabalha exclusivamente para a empresa. Nós não automatizamos a vida
de ninguém. As pessoas precisam ser proativas para ajudar a melhorar o
processo – e não só para criar lucro.
Muitos CEOs relatam a sensação de solidão como um efeito
colateral da posição, já que, no fim das contas, são eles os
responsáveis pelo resultado da companhia. Você sente essa solidão?
Não. Nós ainda vemos no mercado CEOs que têm um elevador só para eles,
um andar exclusivo, e que depois reclamam da solidão. Aquele que reclama
da solidão é quem não se aproxima, que não tem interesse genuíno e está
artificialmente próximo das pessoas. O executivo precisa ter um pouco
de humildade para ceder seu tempo, que é escasso, e seguir o ritmo das
pessoas.
Eu estou longe da solidão. Mas para isso, tenho que ter
disponibilidade para ser parado no corredor pelo estagiário que tem uma
dúvida. É quase como optar por não ser líder em tempo integral. É
aceitar que a liderança é situacional. Quando chego a uma obra, aceito
ser liderado por um eletricista. Sigo cegamente a liderança dele porque é
ele a referência naquele ambiente.
Ele é quem vai garantir minha
segurança. Participo ativamente dos fóruns com toda a equipe, da
diretoria a estagiários e eletricistas. Isso tudo faz com que eu me
sinta próximo das pessoas.
Uma queixa comum de altos executivos e empresários é a
dificuldade de saberem exatamente o que está acontecendo nas camadas
mais baixas, já que as pessoas evitam dar notícias ruins a eles.
Eu converso com as pessoas abertamente, inclusive no campo de trabalho
delas, então sei o que está acontecendo. Acho lamentável um chefe ter
que se disfarçar de funcionário, como fazem em alguns casos, para ter a
experiência do dia a dia e ficar sabendo dos problemas.
Eu adoro ser
participativo. Gosto de estar com as pessoas, de ouvir pontos de vista
independentemente do nível hierárquico de cada um.
Essa proximidade não atrapalha na hora de ser firme e cobrar a equipe?
A minha meta não é ser padrinho de batismo do filho de ninguém, mas
também não é ser o primeiro a ir para a grelha no churrasco da equipe.
Quero ser justo – e não justiceiro. Isso, sim, é crível e inspira
confiança. É o que me interessa.
Como medir os resultados dessa mudança de gestão?
Faço uma correlação direta da filosofia de gestão com a satisfação dos colaboradores na pesquisa interna de clima e no prêmio Great Place to Work
(GPTW). Passamos dez anos fazendo essa pesquisa e tendo o resultado de
69% de satisfação. Sofríamos para conseguir uma quantidade razoável de
respostas.
Quando mudamos a gestão, passamos para mais de 90% de
satisfação em uma paulada só. Ou seja, existia um passivo que estava
guardado em algum lugar e a gente acessou. Hoje, a pesquisa de clima que
fazemos indica 99% de satisfação. Isso mostra que estimular as pessoas a
voltarem a acreditar nelas mesmas vale a pena.
É quase que um resgate
de valores que adoraríamos ver de forma maciça se solidificar na
sociedade. É um círculo virtuoso. Talvez para ter mais lucro, só
precisemos ser um pouquinho mais satisfeitos e felizes.
Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Carreira/noticia/2015/11/opcao-de-ser-feliz-nao-e-da-empresa-e-de-cada-um.html
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