São Paulo - O que leva mais de 70 000 jovens a tentar uma vaga em um programa de trainee
em troca de trabalho duro, ambiente competitivo, metas agressivas e
responsabilidade de dono logo nos primeiros meses de casa? Uma forte
marca empregadora funcionando como ímã.
A marca em questão atende pelo nome Ambev, dona de um dos processos
seletivos de recém-formados mais disputados do país. A companhia de
bebidas consegue se manter atraente mesmo quando a maior parte das
empresas tem dificuldade em preencher vagas abertas.
Em um estudo da recrutadora ManpowerGroup com 37 000 empregadores em 42
países, 36% dos entrevistados disseram enfrentar escassez de talentos
em 2014, o maior índice dos últimos sete anos. No Brasil, quinto lugar
nesse ranking, a porcentagem é de 63%, superada apenas por Japão, o
líder, Peru, Índia e Argentina.
Os segredos da Ambev e de outras empresas permanentemente desejadas
têm nome e sobrenome: employee value proposition (EVP), que é a
definição de uma proposta de valor consistente para os empregados, e
employer branding, a gestão da reputação da empresa.
“O EVP é o conjunto de políticas de carreira,
desenvolvimento, liderança e gestão, remuneração e ambiente de
trabalho, que tornam a empresa atrativa tanto para os profissionais do
mercado quanto para quem faz parte do quadro”, diz Paulo Bivar,
sócio-fundador da consultoria de RH Air Branding.
Na Ambev, isso significa um pacote que inclui plano de carreira claro e
acelerado, cifras altas de investimento em treinamento, preparação
dos líderes para que desenvolvam as equipes e remuneração vinculada
ao desempenho.
Já o employer branding é a estratégia usada para mostrar essa
proposta de valor ao público interno e externo e, com isso, construir
uma boa reputação corporativa. “Toda companhia tem uma marca
empregadora, uma percepção formada na cabeça das pessoas sobre como
é trabalhar lá, mesmo que essa impressão não seja verdadeira”, diz
André Siqueira, gerente da operação da Universum no Brasil,
especializada em employer branding.
Se a empresa não define nem administra a própria imagem, os outros
fazem isso por ela.
“Em um cenário de aumento da competição por
talentos e de futuro incerto, é fundamental tomar as rédeas desse
processo e cuidar para que as pessoas sejam o ativo estratégico da
empresa”, afirma Ricardo Guimarães, sócio e diretor-presidente da
consultoria Thymus Branding.
A gestão da marca gera mais ganhos, além do aumento da atratividade.
Uma pesquisa do LinkedIn com 2 250 recrutadores americanos mostrou que a
iniciativa reduz pela metade os custos com contratação e diminui até
28% o turnover. Para saber quais são os passos em direção à
construção de uma marca empregadora forte, veja a seguir as
orientações dos especialistas e de empresas que se destacam pelas boas
práticas.
1. Identifique
A primeira iniciativa é saber o que a empresa tem de mais consistente e
atraente em termos de carreira (opções de carreira em Y ou
expatriação, por exemplo), desenvolvimento (bolsas de estudo,
coaching), liderança (programas de preparação para gestores),
remuneração (participação nos resultados, bônus por performance),
ambiente de trabalho (infraestrutura, clima) e significado (ações
socialmente responsáveis).
Esse é o EVP, a proposta de valor. “Fizemos esse diagnóstico no ano
passado para entender profundamente a identidade da empresa e o que a
diferencia das demais”, diz Danielle Arraes, diretora de aquisição de
talentos da Johnson & Johnson. Com uma reputação sólida e um EVP
global definido há cinco anos, a Johnson começou, em 2014, um plano de
gestão estratégica da marca no Brasil para estreitar o relacionamento
com os profissionais daqui.
2. Ouça
O passo seguinte é conhecer seu público-alvo. Entenda o que ele
pensa sobre a empresa, do que não gosta, com o que sonha. Aqui entram
as pesquisas de clima e de opinião, mas não só elas. Aproveite todas
as oportunidades, de interações na intranet e nas redes sociais a
entrevistas de desligamento. O objetivo é descobrir pontos de
atração, retenção e repulsão de talentos.
3. Seja coerente
Crie condições para que o discurso aconteça na prática. “Um de
nossos valores é a crença de que um ambiente de trabalho com pessoas
diferentes é bom para os negócios e para a sociedade”, afirma Joana
Rudiger, gerente de talentos da Unilever. “Para garantir que isso
ocorra, estabelecemos uma meta de equidade de gênero: até o fim do
ano, queremos que 50% da liderança seja formada por mulheres.”
O número atual é de 49%. E três das nove fábricas brasileiras já
são lideradas por executivas.
A companhia foi uma das primeiras no
país a adotar a licença-maternidade de seis meses e também oferece
creche e berçário em sua sede, além de um programa de horário
flexível e trabalho a distância, que, apesar de se estender a todos os
gestores administrativos, é um benefício valorizado pelas mães.
Outras iniciativas a favor da diversidade na Unilever são a licença
de seis meses para casais do mesmo sexo que adotem crianças e um
programa de reconhecimento de chefes inclusivos, que começa a valer
agora.
“Os funcionários são incentivados a eleger na intranet líderes que
se destacam por promover a inclusão. Ainda não definimos como será
feito o reconhecimento desse time, mas já notamos uma forte adesão. Em
um mês, foram 400 indicações", dia Joana.
4. Relacione-se
Uma das partes mais importantes do employer branding é a relação que a
empresa estabelece com os funcionários e os talentos do mercado. É da
qualidade desse entendimento mútuo que surge o engajamento com a marca.
Há três anos, a J&J mantém o programa Embaixadores, um grupo de
100 empregados, da base à alta liderança, que organiza oficinas de
negócio nas universidades relevantes para a companhia.
Os funcionários falam sobre a própria carreira, contam como é
trabalhar lá e ouvem as expectativas de quem ainda não entrou no
mercado. E os alunos vivenciam um pouco da cultura e dos valores da
multinacional. A interação com os jovens mostrou à Johnson, por
exemplo, que eles querem se relacionar ativamente com a marca no
Facebook, e não apenas ler comunicados.
Então, a página de carreiras da empresa na rede social, que até o
ano passado era usada só quando algum processo seletivo estava aberto,
passou a divulgar vídeos sobre os bastidores da companhia, depoimentos
de empregados e notícias alinhadas aos valores da Johnson. “O que menos
postamos é vaga”, diz Danielle. “Com essa mudança, o número de fãs
cresceu 40% em seis meses.”
5. Seja verdadeiro
A Ambev não esconde que a vida na companhia está longe de ser um mar
de tregue resultado, resolva problemas, assuma responsabilidades e
trabalhe com afinco. Em troca, oferece desenvolvimento acelerado e
oportunidade de carreira. Segundo a companhia, em 2014 ela realizou
quase 10 000 promoções e investiu 35 milhões de reais em treinamentos
presenciais e online para 23 000 funcionários.
“Mais do que falar, apresentamos fatos e dados para mostrar quem somos e
o que queremos”, diz Mariana Engelman, gerente nacional de recrutamento
e seleção da Ambev.
Essa transparência é essencial para aumentar a
eficiência e reduzir o custo das contratações.
“Omitir algo que possa influenciar na decisão de um candidato pela
empresa, como uma carga de trabalho agressiva, é ruim. Ele descobre e
acaba deixando o time”, afirma Paulo Bivar, da Air Branding. Em um mundo
amplamente conectado, capaz de colocar qualquer promessa corporativa à
prova, oferecer uma proposta de valor que parece perfeita, mas não é
real, pode pôr tudo a perder.
Fonte: http://exame.abril.com.br/revista-voce-rh/edicoes/37/noticias/cinco-licoes-de-marketing-para-o-rh